Elis Denise Gondro
Quando me pediram para escrever algo sobre o papel da mulher na segurança pública me surpreendi perguntando a mim mesma qual é o meu papel nesse contexto. Percebi então que nós mulheres ainda não conseguimos definir nosso papel a partir de um discurso construído por nós mesmas, e sim que o desempenhamos dentro de um discurso masculino determinado para esse fim, marcado por uma relação de poder onde fica bem definido quem manda e quem obedece.
Partindo dessa constatação, minha proposta aqui é uma reflexão sobre a representação do feminino, sobre gênero e preconceito, enfim, uma percepção sobre as sutilezas do machismo reinante nessas relações de poder entre homem x mulher no nosso meio.
Ao me referir a sutilezas do machismo quero dizer com isso que ele hoje se mostra a nós mulheres mascarado, não porque os homens deixaram de nos olhar de forma preconceituosa, mas tão somente que na nova ordem política de um Estado democrático de direito o machismo explícito revelado em outros tempos não tem um lugar confortável na dinâmica social, e também porque muitas mulheres não toleram mais esse discurso, mas principalmente pela razão que os homens não querem levar a pecha de atrasados e não que o tenham excluído de fato de suas práticas. Então o preconceito masculino se mostra a nós mais sutil, visível apenas ao olhar mais treinado.
Imbuída da tarefa de escrever algo para esse evento em um curto espaço de tempo recorri à internet (ferramenta útil em momentos de desespero) para procurar estudos que me inspirassem a escrever algo com um pouco mais de autoridade, no entanto, me deparei com as mais diversas bobagens, com discursos construídos por homens, como o de um comandante, o qual me abstenho de citar o nome e a instituição a que pertence, que definia o papel da mulher na polícia à luz da Bíblia, ou seja, a mulher policial construída a partir das obrigações femininas para com a sociedade, de caráter assistencialista no sentido de orientar, proteger e informar pessoas em situação de risco e de abandono, realçando como única habilidade feminina o trato com os velhos, os jovens e as crianças, assim como se dá no espaço privado. Ora, o trabalho da polícia não é resolver problemas sociais, eles são claro, problemas do Estado, mas de outra ordem: psicólogos, assistentes sociais e demais servidores treinados para isso.
Dei-me conta então, que nosso papel, salvo algumas exceções, ainda é de caráter complementar ao do homem, ou seja, a nós ainda cabe o espaço privado, a proteção e a orientação, já aos homens cabe o espaço público, a violência e a força. Essa prática permite aos homens manter o domínio que marca a masculinidade. Cabe aqui uma reflexão sobre a frase de Simone de Beauvoir: “não se nasce mulher, torna-se mulher”. Tomo ainda emprestadas suas palavras para dizer que nesses 15 anos como guarda municipal “tudo o que eu li, vi, e aprendi nesse período confirmam a idéia de que a feminilidade é fabricada, como, aliás, também se fabricam a masculinidade e a virilidade”.
É claro que nós mulheres já conseguimos conquistas consideráveis, temos uma mulher na superintendência da Polícia Rodoviária Federal e uma Tenente Coronel na PMPR, algumas delegadas na Polícia Civil, uma pequena parcela em cargos de “relevância” na Guarda Municipal de Curitiba. A maternidade ainda é um fator de retardamento no crescimento hierárquico, ainda se ouvem muitas piadinhas machistas e zombarias com o claro objetivo de desqualificar e desacreditar a mulher.
Sonho com o dia que poderei ver a capacidade de liderança calcada no respeito à autoridade e não no poder: “
Max Weber definiu poder como a probabilidade de um ator situado dentro de uma relação social estar numa posição de facultar o outro a fazer sua própria vontade, apesar de encontrar resistência. Já a autoridade é uma modalidade legitima de poder, é a habilidade de levar as pessoas a fazerem de boa vontade sua própria vontade por sua influência pessoal. As pessoas em geral só seguem pessoas honestas, que forneçam bons exemplos, cuidados, comprometidas, que sejam boas ouvintes, que conquistem sua confiança, que respeitem, ajudem, sejam positivas e, sobretudo que gostem do ser humano. O grande líder tem essas !”(http://ethnos.wordpress.com/2007/01/11/autoridade-e-poder/.)
O que proponho nessa reflexão não é a luta pelo poder feminino dentro da instituição policial, nem reivindico uma maior atuação da mulher no uso da força e da violência, mas sim que homens e mulheres possam atuar de forma conjunta na mediação de conflitos, na defesa dos direitos humanos e civis, na desconstrução de práticas preconceituosas e discriminatórias, bem como na construção de um novo paradigma de segurança urbana.